quarta-feira, 30 de setembro de 2009
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Foi na noite de São Tiago
E quase por compromisso.
As lâmpadas se apagaram
E se acenderam os grilos.
Já nas últimas esquinas
Toquei seus peitos dormidos,
Que de pronto se me abriram
Como ramos de jacinto.
A goma de sua anágua
Vinha ranger-me no ouvido
Como seda que dez facas
Rasgassem em pedacinhos.
Sem luz de prata nas copas
As árvores têm crescido
E um horizonte de cães
Ladrava bem longe ao rio
Após franqueadas as brenhas,
Franqueados juncos e espinhos,
Por baixo de seus cabelos
Fiz um ninho sobre o limo.
Eu tirei minha gravata.
Ela tirou seu vestido.
Eu, cinturão e revolver.
Ela, seus quatro corpinhos.
Nem nardos nem caracóis
Têm cútis com tanto viço,
Nem os cristais sob a lua
Alumbram com igual brilho.
Suas coxas me escapavam
Como peixes surpreendidos,
Metade cheias de lume,
Metade cheias de frio.
Galopei naquela noite
Pelo melhor dos caminhos,
Montado em potra nácar
Sem rédeas e sem estribos.
As coisas que ela me disse,
Por ser homem não repito
Faz a luz do entendimento
Que eu seja assim comedido.
Suja de beijos e areia,
Eu levei-a então do rio.
Contra o vento se batiam
As baionetas dos lírios.
Portei-me como quem sou.
Como gitano legítimo.
Dei-lhe cesta de costura,
Grande, de cetim palhiço,
E não quis enamorar-me,
Pois ela, tendo marido,
Me disse que era donzela
Quando eu a levava ao rio.
Não fui perder minha infância
No mangue daquela carne!
Dizia que era morena
Sabendo que era mulata
Dizia que era donzela
Nem isso não era ela
Era uma môça que dava.
Deixava... mesmo no mar
Onde se fazia em água
Onde de um peixe que era
Em mil se multiplicava
Onde suas mãos de alga
Sobre o meu corpo boiavam
Trazendo à tona águas-vivas
Onde antes não tinha nada.
Quanto meus olhos não viram
No céu da areia da praia
Duas estrelas escuras
Brilhando entre aquelas duas
Nebulosas desmanchadas
E não beberam meus beijos
Aqueles olhos noturnos
Luzinho de luz parada
Na imensa noite da ilha!
Era minha namorada
Primeiro nome de amada
Primeiro chamar de filha
Grande filha de uma vaca!
Como não me seduzia
Como não me alucinava
Como deixava, fingindo
Fingindo que não deixava!
Aquela noite entre todas
Que cica os cajus! travavam!
Como era quieto o sossego
Cheirando a jasmim-do-Cabo!
Lembro que nem se mexia
O luar esverdeado.
Lembro que longe, nos longes
Um gramofone tocava,
Lembro dos seus anos vinte
Junto aos meus quinze deitados
Sob a luz verde da lua.
Ergueu a saia de um gesto
Por sobre a perna dobrada
Mordendo a carne da mão
Me olhando sem dizer nada
Enquanto jazente eu via
Como uma anêmona n'água
A coisa que se movia
Ao vento que a farfalhava.
Toquei-lhe a dura pevide
Entre o pêlo que a guardava
Beijando-lhe a coxa fria
Com gosto de cana-brava.
Senti, à pressão do dedo
Desfazer-se desmanchada
Como um dedal de segredo
A pequenina castanha
Gulosa de ser tocada.
Era uma dança morena
Era uma dança mulata
Era o cheiro de amarugem
Era a lua cor de prata
Mas foi só aquela noite!
Passava dando risada
Carregando os peitos loucos
Quem sabe pra quem, quem sabe!
Mas como me perseguia
A negra visão escrava
Daquele feixe de águas
Que sabia ela guardava
No fundo das coxas frias!
Mas como me desbragava
Na areia mole e macia!
A areia me recebia
E eu baixinho me entregava
Com medo que Deus ouvisse
Os gemidos que não dava!
Os gemidos que não dava
Por amor do que ela dava
Aos outros de mais idade
Que a carregaram da ilha
Para as ruas da cidade.
Meu grande sonho da infância
Angústia da mocidade.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Dois Poetas Malacos de Dois Mil Anos Atrás
Companheiros de porre, conterrâneos (os dois nasceram na Espanha romana), Marcial e Juvenal não tinham papas na língua, nem medo de dar nome aos bois.
Despudorados cronistas sociais da decadência, não poupavam , nos seus versos e epígrafes, nobres, cidadãos nem senadores – isto numa época em que dizer a palavra errada podia significar o exílio ou a morte.
Pra salvar o couro, puxavam o saco dos poderosos com uma das mãos - mas deixavam a outra livre, para seus fins inomináveis.
Escreveu Marcial, inspirado num alto burocrata do império, chamado Labieno: “Você depila peito, braços, pernas/ E apara em arco seus pentelhos. Dou fé,/ Labieno: é pra agradar a namorada/ - Mas, e o cu depilado, pra quem é?”
Quadrinha atualíssima. Principalmente se pensarmos nos pagodeiros que depilam as sobrancelhas, modernetes e sertanejos com seus cabelinhos desalinhados à base de gel, nos famigerados freqüentadores de rave e nos “metrossexuais” em geral, de todas as tribos e arrebites.
A tradução dos poemas é do Décio Pignatari (que fez questão de respeitar, na transliteração, o latim chulo e coloquial dos dois poetas).
Juvenal (60-140)
Liga pra alguma coisa a mulher que ama e bebe?
Troca as bolas, não distingue o de cima e o de baixo,
Quando deglute dúzias de ostras noite adentro,
Regadas a falerno perfumado, sorvido
Em conchas espumantes, enquanto o teto gira,
A mesa levita e tudo o mais se vê dobrado.
Pois, então, suspeite dos risinhos zombeteiros
Dessa Maura, se passa pelo velho oratório
Da deusa do Pudor, ao lado de Túlia, irmã
De leite. De noite, é ali que param suas liteiras
Para mijarem, inundando a estátua da deusa
Com esguichos de urina. À luz da lua, as duas
Atracam-se, fodem, voltam para casa. Você,
À luz da manhã, em visita a nobres amigos,
Patina na urina da esposa, pelo caminho.
Marcial (40-140): Epigramas
VII, 18
Nem mesmo uma mulher ousa falar
Do seu rosto, e seu corpo é sem defeito.
Como se explica, então, que nenhum homem
Queira foder você mais de uma vez?
Aí há coisa, e muito grave, Gala.
Quando me achego e brota o prazer mútuo
Dos púbis e dos órgãos se esfregando,
Sua boca cala e sua boceta fala!
Prouvesse aos deuses o contrário: estou
Farto da falação da sua xoxota.
Prefiro peidos: são saudáveis, Símaco
Afirma, e dão motivo a boas risadas.
Cona que estala a língua me chateia:
Se a flauta é deprimente, a cobra abaixa.
Feche a xota, pois, e abra a boca;
Mas se for mesmo muda, pelo menos ensine
Essa crica a falar alguma língua.
VII, 67
Filena, o sapatão, agarra até
Os garotos por trás e, mais tesuda
Que um macho fogoso, traça meninas
Pela dúzia, num só dia; arregaça a saia,
Joga pelota, passa pelo corpo
O polvilho amarelo dos atletas;
Com braço musculoso e ágil, lança
Longe o peso de chumbo, desafio
A Barbados, e sai, suja de lama,
Do campo, para as mãos do massagista
Oleoso, que a lanha a vergastadas;
Não ceia reclinada sem primeiro
Vomitar sete garrafas de vinho,
E mais sete – depois de deglutir
Dezesseis bolos de carne. No fim,
Acometida de tesão, não chupa
Pau (“Não é coisa de homem”): devora
As chanas das meninas. Mas que os deuses,
Filena, dêem jeito na sua cuca:
Não creia ser viril chupar boceta.
Louquinho bufão (XIV, 210)
Não finge o pasmo, não inventa que é chapado:
Quem pira além da piração não é pirado.