sexta-feira, 11 de maio de 2012


Rubem Braga


"Da minha janela percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando. Nada a uma certa distância da praia, em braçadas pausadas e fortes. Acompanho seu esforço solitário, como se ele estivesse cumprindo uma bela missão.


Já nadou em minha presença uns trezentos metros; antes, não sei. Duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás das árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça e o movimento alternado de seus braços. 


Mais uns cinquenta metros o perderei de vista, pois um telhado o esconderá. 


Que ele nade bem essa distância: é preciso que conserve bem a mesma batida de sua braçada e que eu o veja desaparecer assim como vi aparecer, no mesmo rumo, forte, lento, sereno. E então poderei sair da varanda tranquilo: 'Vi um homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza e exatidão; esperei que ele atingisse um telhado vermelho, e ele o atingiu'.


Não desço para ir esperá-lo na praia e lhe apertar a mão; mas dou meu silencioso apoio, minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a esse nobre animal, a esse homem, a esse correto irmão."


(Trecho da crônica "Homem no Mar", publicada originalmente no livro "Ai de ti, Copacabana" e apresentada aqui conforme Millôr Fernandes a resumiu - segundo ele, "sem alteração de palavra" - para abrir sua peça "O Homem do Princípio ao Fim".)

quarta-feira, 4 de abril de 2012


Quintana por Canini

Mário Quintana: "Carta"



Meu caro poeta,

Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola traçada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos, aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? - perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: "eu vos trago a verdade", enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: "eu te trago a minha verdade." E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócritos!

Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as disgressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselhos e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: "O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escrevem os seus poemas?" A poesia é dessas coisas que a gente faz mas não diz.

A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.

Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: "Eu não te largarei até que me abençoes". Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técninca dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.

Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.

Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.

Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?

segunda-feira, 2 de abril de 2012



Uma Seresta



Sempre fui mais seresta que samba, mais blues que rock'n'roll. Acho as serestas verdadeiros sítios arqueológicos desse estado limite, no qual um homem se vê subitamente lançado entre a civilização e a barbárie, chamado "dor de corno". 

"Número Um", do Mário Lago e do Benedito Lacerda, é um belo exemplo disto.  Principalmente o último verso (a chamada "chave de ouro") que dá título a música. 

Toda a estrofe final, aliás, é matadora:

Satisfaz tua vaidade
Muda de dono a vontade
Isso em mulher é comum
Não guardo frios rancores
Pois entre os teus mil amores
Eu sou o número um.

O cara deu tudo pra mulher. A mulher o corneou. Quando julgava que as feridas já tinham cicatrizado, ele a vê passar feliz, de braços dados com outro. As feridas reabrem. O sangue que escorre dos buracos na testa nubla sua visão, obrigando-o a chafurdar no passado. 

O desencanto e o desespero são irmãos siameses de personalidades opostas.  

No auge do sofrimento, o ex-corno tira do bolso interno do paletó esse duvidoso troféu - um triste, mumificado cabaço, tanto faz se no sentido real ou figurado - e o esfrega na cara da putinha como se fosse um argumento definitivo, um símbolo inquestionável de vitória.

Em outras palavras: ele não tem nada melhor em que se agarrar.

Trata-se de um corno civilizado. Nessas condições, bem que poderia ter sacado do bolso uma faca ou um revólver; o grau de civilização de um homem é diretamente proporcional a capacidade que ele tem de primeiro enganar a si mesmo, e depois o mundo a sua volta. Porque, se prestarmos atenção na letra, pra mulher o suposto defloramento foi na verdade um alívio, uma espécie de habeas-corpus que abriu a possibilidade dela sair por aí, dando mais que xuxu na cerca (estamos falando da década de 30 ou 40). Já pra ele a chaga ainda dói... E, pelo jeito, costuma sangrar cada vez que o inesperado a cutuca de um jeito mais duro.

Falei num texto anterior e vou repetir: considero um homem que nunca passou por isso um pouco menos homem. Ás vezes armamos as arapucas, ás vezes caímos nelas. E as serestas e os blues estão aí pra provar que estamos muito bem acompanhados nesse agridoce teste de coragem.   

Abaixo, a música inteira, na voz de Orlando Silva. Normalmente costumo evitar esses clipes do YouTube, cheios de fotos breguíssimas "ilustrando" a canção. Nesse caso, porém, parece combinar. 











segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

SAIU!


Estou no Rio de Janeiro, debaixo de chuva... E recebo esta boa notícia da Noga Sklar, minha editora, com quem foi um prazer trabalhar nessa nova edição do "Pornografia". Mexi em várias coisas (suprimi os parênteses do título, limei alguns excessos, principalmente no final dos contos, alterei a ordem das partes e acrescentei mais um texto), mas, em essência, o livro continua o mesmo - talvez até mais contundente, justamente porque mais enxuto.

Trocar a metralhadora giratória por um rifle de precisão talvez seja uma das melhores conquistas da maturidade... A gente continua errando (e muito), mas pelo menos se dá conta mais rápido do erro, além de se livrar do cansaço, do trambolho - da carga pesada que é sair carregando por aí uma metralhadora giratória.

O livro, em versão digital (E-book), pode ser adquirido AQUI. A versão POD (impressa sob encomenda) está prevista para o início do ano que vem. Sugiro fazer um test-drive, e depois, se ficares satisfeito com o produto, mandar fazer outro, mais acessível ao tato, olfato e paladar. 

Pra quem tem filhos ou mora com os pais, o E-book tem a vantagem não precisar ser escondido debaixo do colchão.

A apresentação (antiga orelha...) é do Marcelo Montenegro e o prefácio, do Marcelo Mirisola.



sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Blogue às Moscas





*
O suor do próprio rosto:


... isso que no acanhamento de se chamar de vida, achou-se apelidar sobrevivência.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Bernhard por David Levine

Três Pequenas Lições 
de Thomas Bernhard


I


O Meu Bisavô era Negociante de Banha


O meu bisavô era negociante de banha
e hoje
toda a gente o conhece ainda
entre Henndorf e Thalgau,
Seekirchen e Köstendorf,
e todos ouvem a sua voz
e se juntam
à sua mesa,
que era também a mesa do Senhor.
Em 1881, na Primavera,
decidiu-se pela vida: plantou
uma parreira junto à parede da casa
e reuniu os mendigos;
a mulher, Maria, a da fita preta,
deu-lhe mais mil anos.
Ele inventou a música dos porcos
e o fogo da amargura,
falava do vento
e do casamento dos mortos.
Ele não me daria nenhum pedaço de toucinho
para os meus desesperos.

II

(...) Parece que a humanidade só se esforça enquanto tem a esperar diplomas estúpidos, que pode exibir em público para obter proveitos, mas, quando já tem na mão tais diplomas estúpidos em número suficiente, deixa-se levar. Ela vive em grande parte só para obter diplomas e títulos, não por qualquer outra razão, e, depois de ter obtido o número de diplomas e títulos que, na sua opinião, é suficiente, deixa-se cair na cama macia desses diplomas e títulos. Ela não parece ter qualquer outro objectivo para a vida. Não tem, segundo parece, qualquer interesse numa vida própria, independente, numa existência própria, independente, mas apenas nesses diplomas e títulos, sob os quais a humanidade há já séculos ameaça sufocar. As pessoas não procuram independência e autonomia, não procuram a sua própria evolução natural, mas apenas esses diplomas e títulos e estariam, a todo o momento, prontas a morrer por esses diplomas e títulos, se lhos entregassem e dessem sem qualquer condição, esta é que é a verdade desmascaradora e deprimente. Tão pouco estimam elas a vida em si que só vêem os diplomas e títulos e nada mais. Elas penduram nas paredes das suas casas os diplomas e títulos, nas casas dos mestres talhantes e dos filósofos, dos chefes cozinheiros e dos advogados e juízes estão pendurados os diplomas e títulos e eles fitam esses seus diplomas e títulos, durante toda a vida, com os olhos ávidos que adquiriram ao olhar com essa ávida fixidez permanente esses diplomas e títulos. As pessoas não dizem, no fundo, sobre si próprias, eu sou a pessoa tal e tal, mas sim eu sou o título tal e tal, eu sou o diploma tal e tal. E as suas relações não são com a pessoa tal e tal, mas sim com o diploma tal e tal e com o título tal e tal. Assim, podemos dizer perfeitamente que, na humanidade, não são as pessoas que convivem umas com as outras, mas apenas os diplomas e títulos, as pessoas são, na humanidade, dito de uma forma grosseira, indiferentes, importantes são apenas os títulos e diplomas. Não são as pessoas que, há séculos, são vistas, mas apenas títulos e diplomas. Elas não encontram no café o senhor Huber, mas sim o doutor Huber, não vão jantar com o senhor Maier, mas sim com o engenheiro do mesmo nome. Parece que só assim atingiram o seu objectivo, quando já não são a pessoa, mas sim o engenheiro, quando já não são, como julgam, apenas a senhora Muller, mas sim a senhora juíza. E, nos seus escritórios, também não recebem a senhora, mas sim o excelente e estúpido diploma(...) 

(in "Extinção")


III


(...) Ficam reduzidos a uma única frase bem sucedida os nossos grandes filósofos, os nossos maiores poetas, dizia ele, é essa a verdade, lembramo-nos muitas vezes apenas daquilo a que se chama uma tonalidade filosófica e mais nada, dizia ele, pensei. Estudamos uma obra grandiosa, a obra de Kant por exemplo, e essa obra fica, com o correr do tempo, reduzida à pequena cabeça de prussiano oriental, que é a de Kant, e a um universo inteiramente vago, feito de noite e de névoa, que vai dar à mesma incapacidade de todos os outros, dizia ele, pensei. Pretendia ser um universo de grandiosidade, e dele não restou mais do que um pormenor risível, assim dizia ele, pensei, e assim acontece com tudo. Aquilo a que chamamos grandeza não passa, afinal, de algo que apenas nos comove por provocar o riso e a compaixão. O próprio Shakespeare confrange-nos com o seu ridículo se tivermos um momento de lucidez, dizia ele, pensei.  Já há muito que os deuses figuram nas nossas canecas de cerveja adornados apenas duma barba, dizia ele, pensei. Só o imbecil é que venera, dizia ele, pensei. O chamado homem de espírito consome-se a produzir uma obra que ele considera digna de marcar uma época, e no fundo mais não faz do que tornar-se ridículo, quer se chame Schopenhauer ou Nietzsche, é indiferente, quer tenha sido Kleist ou Voltaire, tudo o que vemos é um homem que nos faz sentir compaixão, um homem que fez mau uso da sua cabeça e que afinal se esforçou ad absurdum. Que foi submergido e ultrapassado pela história. Os grandes pensadores foram por nós encerrados nas nossas bibliotecas, e de lá nos fitam, condenados para sempre ao ridículo, dizia ele, pensei. Dia e noite escuto o lamento dos grandes pensadores que fechamos nas nossas bibliotecas, essas ridículas sumidades de espírito, como cabeças mirradas dentro de uma vitrina, assim dizia ele, pensei. Toda essa gente profanou a natureza, dizia ele, cometeu o crime maior contra o espírito, e por isso são punidos por nós e encerrados para sempre nas nossas bibliotecas. Porque morrem sufocados nas nossas bibliotecas, essa é que é a verdade. As nossas bibliotecas são como que presídios em que encerramos as nossas sumidades de espírito, o Kant numa cela de isolamento, como é natural, tal como Nietzsche, tal como Schopenhauer, como Pascal, como Voltaire, como Montaigne, as figuras mais insignes em celas isoladas, todos os outros em celas colectivas, mas todos ali metidos para todo o sempre, meu caro, para toda a eternidade até ao infinito dos tempos, eis a grande verdade. E infeliz daquele que, condenado por ter cometido o crime maior, tente a evasão e consiga fugir, porque logo o desgraçam e o lançam no ridículo, essa é que é a verdade. A humanidade sabe proteger-se de todos os chamados grandes de espírito, dizia ele, pensei. O espírito, onde quer que surja, é logo dominado e aprisionado, e, como é natural, logo lhe apõem o carimbo de espírito negativo, dizia ele, pensava eu (...) 


(in "O Náufrago")

quarta-feira, 31 de agosto de 2011


Pra quem viveu a infância e a adolescência no final dos anos 70 e ao longo dos 80, esse sentimento esquisito que é a nostalgia - como se o coração girasse dentro do peito pra olhar o que passou - não costuma primar pelo que se chama por aí de "bom gosto" (piores, só os 90 e os 00). Mas há honrosas exceções: como esses dois artistas que, ao emprestar seu talento pra ilustrar obras alheias, acabaram emprestando também um pouco de beleza e humor à memória afetiva de muita gente. 



Benício (José Luiz Benício)








 


Elifas Andreato

 





Cartaz para "A Morte do Caixeiro Viajante"

"Ópera do Malandro"


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Duas ou Três Sugestões de Borges
- em homenagem ao que seria (e de certa forma o é) 
seu 112o ano de vida -


O tempo ensinou-me algu­mas astúcias: evitar os sinônimos, que têm a desvan­tagem de sugerir diferenças imaginárias; evitar hispanismos, argentinismos, arcaísmos e neologismos; pre­ferir as palavras habituais às palavras assombrosas; intercalar em um relato traços circunstanciais, exigidos agora pelo leitor; simular pequenas incertezas, uma vez que se a realidade é precisa a memória não o é; narrar os fa­tos (isto aprendi em Kipling e nas sagas da Islândia) como se não os entendesse completamente; recordar que as normas anteriores não são obrigações e que o tempo se encarregará de aboli-las (...) 

É curioso o destino do escritor. No início é barroco, vaidosamente barroco, e ao cabo dos anos pode lograr, se lhe são favoráveis os astros, não a simplicidade, que não é nada, mas a modesta e secreta complexidade.





   - Com mais de setenta anos muito bem vividos já dá pra saber, pelos olhos, qual a verdade de uma mulher...

   - ...

   - ... nem que seja pra me enganar uma última vez.