segunda-feira, 20 de junho de 2011

Guilherme de Britto e Nelson Cavaquinho

Maestros do Envelhecimento Íntimo


Eu disse certa vez, exagerando (ma non troppo...), que a música mais "alto astral" do Nelson Cavaquinho fala sobre o fim do mundo.

Todo mundo conhece o samba "Juízo Final", composto com seu mais constante parceiro, Guilherme de Britto - uma verdadeira jóia de concisão e profundidade: 

"O sol
Há de brilhar mais uma vez
A luz 
Há de chegar aos corações
Do mal
Será queimada a semente
O amor
Será eterno novamente"

Pura esperança e otimismo, não é mesmo? Mas só pra tudo ser desmentido nos próximos versos:

"É o juízo final
A história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecer"

Ou seja: a maldade dos homens só tem chance de desaparecer quando o mundo inteiro (pelo menos pra gente) também  for prás picas... Como disse Paul Valéry, "o mais profundo é a pele." 

Em "Casa de Loucos", João Antônio faz o seguinte retrato desse maestro do "envelhecimento íntimo":

"Aquela capacidade em que é único, caminhar eternamente na linha divisória entre o sublime e o ridículo é o terreno perigoso em que é mestre. O compadre diz que isso é intuitivo e, diante da sua dor, permanece calado, até meio indiferente, sabendo tapeá-la a ponto dela passar por ele e não ficar nele. Provavelmente seja uma evasiva de Cavaquinho, que prefere dizer a dor dos outros:

- Eu não preciso fazer música pra mim. Faço para os outros, já que eles também sofrem como eu.

(...)

O compadre é um perene cantor da solidão e dos enganos do amor, do perdão na hora certa e dos diálogos com a morte, da beleza sensual da vida e do inferno do envelhecimento íntimo."

Grande João Antônio...


Na sequência, um pequeno documentário filmado por Leon Hirszman em 1969, onde Nelson passeia pelos pés-sujos de Bangu, seu habitat natural, e fala com muito bom humor sobre a vida e sobre o seu - como dizem as cabeças pensantes - "processo criativo".



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