segunda-feira, 28 de dezembro de 2009


Bukowski: DEFININDO A MAGIA*





um bom poema é como uma cerveja gelada
quando você está mais a fim,
um bom poema é um sanduíche de presunto, quando você está
faminto,
um bom poema é uma arma quando
os bandidos te cercam,
um bom poema é algo que
te permite andar pelas ruas
da morte,
um bom poema pode fazer a morte
derreter feito manteiga,
um bom poema pode enquadrar a agonia e
pendurá-la na parede,
um bom poema pode fazer seu pé tocar
a China,
um bom poema pode fazer você cumprimentar
Mozart,
um bom poema permite você competir
com o diabo
e ganhar,
um bom poema pode quase tudo,
isso sem dizer que
um bom poema sabe quando
parar.


* Roubado com foto e tudo do blog do Rodrigo Garcia Lopes. A tradução também é dele.

sábado, 19 de dezembro de 2009



Mirisola


- Gostou desse livro? Fui eu que fiz!

A figura demente, alucinada. Eu saindo do banheiro, com o livro debaixo do braço: quando o João falou que ia comprá-lo, desaconselhei:

- Porra, João, desses caras novos, tem muito pouca coisa que preste.

- Acho que este é bom. O próprio escritor me vendeu.

- Ele tá aqui, é? Como é que ele é?

- Gente boa. Meio maluco.

Um congresso reichiano, na praia dos Ingleses, em 1997. Num "hotel jeca de frente para o mar" - o escritor havia montado seu estande. Pelas paredes, recortes de jornais elogiando o livro: Aldir Blanc, Reinaldo Moraes, Marcelo Coelho - todos dizendo tratar-se de uma grande estréia. Mas não chegaram a me convencer. Até que a cervejada da noite anterior me obrigou a visitar, urgentemente, o Water Close:

- Empresta o livro, João. Preciso me inspirar.

Abri, como sempre faço, no conto que dava título ao livro, que começa assim: "Conheci Maria de Fátima. Descasada, mãe do gordinho de doze anos, quando se tem doze anos, as mães chamam-se Maria de Fátima. Os filhos têm doze anos e são gordinhos. É por aí que as coisas acontecem. Eu ficava no quarto dos meninos. Beliches Lembram Pastéis Fritos Em Óleo Vagabundo" - e a coisa prosseguia na base do "Dancing Days" e das "camisas Hang-Ten", "Paulo César Peréio era o tipo que fazia a festa. Os anos setenta foram uma merda" - minha geração desgraçada finalmente traduzida em literatura. E que literatura...

Só consegui desovar os petiscos e a cerveja da noite anterior depois de ler o conto. O João entrou no banheiro e gritou pra dentro do reservado: "E aí? Que tal o livro?"

- Caralho, Joãosinho... O cara é bom!

- É? E tu tá podre!

Na saída, conheci o escritor ("Gostou desse livro?"). O nome da obra era "Fátima Fez os Pés Para Mostrar na Choperia" - e, naquela tarde, eu, João e Mirisola, num barzinho na beira da praia, derrubamos um engradado e meio de cervejas.

O papo seguiu noite à dentro. Nunca mais vi o Mirisola beber daquele jeito. Também nunca tinha visto um sujeito mentir tanto e de forma tão divertida. A partir daí, nos tornamos grandes amigos. Ele estava há três meses isolado na sua casa do Santinho, em cima de um morro de difícil acesso, sem rádio nem televisão. Não havia diferença entre o que eu acabara de ler e o cara sentado a minha frente. Alucinado, falando aos berros, numa voz esganiçada: "De vez em quando dá vontade de puxar Deus pelos cabelos do cu, espetar o dedo no nariz dele e perguntar: qual é a tua?" - literatura de altíssima qualidade, em estado bruto, de camisa pólo, bermuda de tenista e chinelões Rider tala-larga.

Na época eu tinha várias prevenções contra os chamados "círculos literários". Só conhecia - mais pela mídia do que pessoalmente - dois tipos de escritores: os herdeiros dos Irmãos Campos (ou Masturbadores do Vernáculo) e os perseguidores do Bukowski (ou Beats Candangos). Não me sentia muito a vontade em relação a nenhum dos dois grupos.

Os primeiros pelo óbvio excesso de simióticas, latinismos e rodapés. Os outros, pela forçada "cara de mau", a tal da "cultura pop" utilizada como griffe pra justificar descaradas picaretagens, a mania pré-adolescente de sair no braço por qualquer merda - as drogas, o álcool e as noites sem rumo como uma tentativa anacrônica e ilusória de adquirirem alguma espécie de talento, via detonação do próprio fígado. Como diria o Nei Lisboa, todos eles - semióticos e adictos - querendo parecer sinceros demais.

Ali na minha frente, portanto, em plena praia dos Ingleses, estava um escritor talentoso - mas sem os achaques e frescuras que eu achava sempre acompanharem os supostos talentos. (Depois, já meio que enfronhado nos tais "círculos", acabei fazendo grandes amigos. Mas uma coisa acabou se confirmando: quanto mais afetado o sujeito, quanto mais faz questão de ostentar erudições ou franzir a carranca "maldita", menos talento ele tem.)

Foram quatro anos de convivência quase diária. Que fez um bem danado pra mim e pro livro que eu estava escrevendo. Putas de jornal, ruazinhas do centro antigo de Floripa - o "Vitória Bar", na esquina da Conselheiro Mafra com a Padre Roma - paletas de ovelha ocasionalmente fumegando na churrasqueira do Santinho e grandes porres de vinho vagabundo. Muitas histórias: um sonho em comum com o Vinícius de Moraes que, por várias razões, me abstenho de relatar por aqui - principalmente porque, segundo um dos mais valiosos conselhos do Mirisola "escritor que é escritor não dá colher de chá pro inconsciente nem pro sobrenatural."

Quando, algumas semanas após nos conhecermos, li os originais do seu segundo livro - uma novela chamada "Teresa Para Amanhã" - e disse que não fazia jus ao "Fátima", o Mirisola deu um berro, passou a mão no calhamaço de folhas batidas a máquina (duras de "Errorex") e azulou, resmungando pra si mesmo um rosário de blasfêmias e palavrões. Reapareceu três dias depois, com grandes olheiras, dizendo que passara o fim de semana à base da salsicha e do Miojo - e me entregou outro calhamaço com as mesmas características.

Tratava-se, desta vez, de um volume de contos. Chamava-se "O Herói Devolvido" - e, como se diz por aí, o resto é história.

Coragem e talento são coisas que ninguém ensina, e nem se pode aprender de uma hora pra outra. Mas, pelo menos no que se refere ao vício da escrita - pra que não descambe na banalidade da loucura, no impulso suicida ou no alcoolismo puro e simples - precisam ser de alguma forma moldados, canalizados, pra que encontrem algum tipo de norte (quem se mete a escrever, tem que primeiro inventar para si uma espécie demente de bússola - do tipo em que os nortes possam ser cambiados segundo as variações do humor ou da necessidade. O que importa é a originalidade do instrumento - além, é claro, da destreza de quem o maneja.)

Mais que a literatura inerente, essa longa e fraterna convivência foi fundamental pra que eu encontrasse aquilo que alguns chamam de "voz" - uma "postura", uma certa maneira de traduzir e se relacionar com as próprias "inhacas" e com as "inhacas" do mundo, a qual o próprio Mirisola denominou, no prefácio do meu livro, de "Ética do Foda-se". Uma rara e imprescindível lição de estilo.

Como já disse, as histórias são muitas. E cada uma delas, sozinha, daria um post.

Tudo isto pra dizer que este meu irmão paulistano está com um novo livro de contos na praça. Chama-se "Memórias da Sauna Finlandesa" e pode ser adquirido pelo site da Editora 34. Li as primeiras versões e garanto que vale a pena. Assim como todos os outros.



* A foto no início do post é do meu amigo e poeta nipo-franco-paulistano Pierre Masato, via Obturador.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009


Figurinhas


"Uma vez tive um orgasmo, mas meu psicanalista disse que foi do tipo errado", do Woody Allen, em "Manhattan". "Se Deus não queria que a gente comesse os animais, então porque Ele os fez de carne?", do Homer Simpson. "Sem alma não se chupa nem um Chicabon", do Nelson Rodrigues - e esta outra, também dele, que deveria ser um norte na vida de muita gente do tipo "cabeça", principalmente publicitários, cineastas e letristas da MPB: "Sejam burros!"

Alguns exemplos de frases que sempre me obrigam a rir, por mais velhas que sejam. Melhor ainda quando são histórias e frases de figurinhas conhecidas, que a gente teve a sorte de topar pelo caminho - quase sempre, no meu caso, em mesas de bar.


Como, por exemplo, estas duas do Eduardo "Coelho" - o Woody Allen do Alegrete - que fariam parte de qualquer antologia de humor.

Durante um exame, o médico perguntou pro Coelho:

- Como está sua vida sexual?

- E isso é vida? - devolveu o Coelho, de orelhas murchas. (Não é piada, juro. Quem duvida, é porque não conhece o Coelho.)

Noutra ocasião, um amigo ligou pra ele, todo emocionado:

- Porra, cara, o Astor Piazzolla acabou de sofrer um derrame. Parece que ficou com o lado esquerdo do corpo paralizado...

E o Coelho, pegando de prima:

- Agora quero ver se ele é bom mesmo.

Ouvir histórias do tipo é uma das melhores coisas nestes lugares de tantas coisas melhores (e algumas piores) que são as mesas de bar.

Vou deixar aqui a última - desta primeira leva, é bom que se diga - que o meu amigo Rafinha me contou noite destas.

Ele e mais dois amigos sentados num sofá, de ressaca, vendo TV. Um deles, pra lá de goiaba (é assim que chamam aqui em Floripa os sujeitos que acharam de cozer o próprio cérebro em substâncias lícitas e ilícitas. Todo mundo conhece um ou dois. Se quem estiver lendo não for o próprio, lógico.) De repente, num programa de auditório, aparece aquela modelo, a Fernanda Tavares:

- Olha! - diz o goiaba - A Roberta Close!

Os outros, acostumados, nem se olham.

- Não, cara, essa é outra. Uma modelinho nova aí. A Roberta Close é muito mais velha.

- Ah, tá... - diz ele, voltando a se encostar no sofá.

Depois de dois ou três minutos, novo insight:

- Mas então ela é a filha da Roberta Close!

Agora os dois são obrigados a se olhar. Meio que rindo, um deles explica, cheio de paciência:

- A Roberta Close não pode ter filho. A operação, lembra?

- Não pode?

- Não.

- Ah, tá...

Os três voltam a submergir num profundo e reflexivo silêncio. Até que, depois de mais alguns minutos, o goiaba abre os braços e berra, desesperado:

- Mas então quem é esta filha da puta?!?