terça-feira, 4 de agosto de 2009




Rourke/ Bukowski

Assistindo ao filme “O Lutador” me ocorreu que, mais de vinte anos depois, o Mickey Rourke finalmente conseguiu ficar a cara do Bukowski. (Alguns dirão que está mais pra Dedé Santana, mas não seremos tão maldosos com o protagonista de “Coração Satânico”).

Numa conversa de bar com meu amigo Marcelo Montenegro, depois de uns doze chopes, ficamos viajando na possibilidade dele, Rourke, representar de novo o escritor bebum – só que, desta vez, numa obra da maturidade, quando Bukowski já tinha encarnado de vez a figura do velho safado.

A escolha (não tão óbvia quanto aparenta) poderia ser o romance “Hollywood”, livro que narra as filmagens de “Barfly”, roteirizado pelo Bukowski e protagonizado pelo próprio Rourke.

No livro fica patente a emoção do escriba com o meticuloso trabalho do ator – reencontrar consigo mesmo no auge, antes da fama e da decadência física, quando tudo o que lhe importava era “brincar com o poema”, e pouco estava se fudendo pra todo o resto.

Também atravessa o romance uma sensação de tranqüilidade, uma placidez só conseguida por quem, na velhice, recostado nos próprios escombros, pode se gabar de ter sobrevivido a si mesmo, sem fazer conchavos ou concessões no que se refere a sua arte, ou a sua maneira particular de encarar os enguiços da vida.

O mesmo se pode dizer do trabalho de Rourke neste último filme. Ele parece saber o tempo todo exatamente sobre o que está falando. Sem afetação nem medo de se expor. Quite com a própria loucura, quase displicente. O que faz do seu “lutador” um destes personagens dos quais a gente chega a sentir saudades depois que o filme termina. Coisa parecida acontece quando se acaba de ler algum conto, romance ou poema do Bukowski: ao fechar o livro, a sensação (nem sempre agradável) de que acabamos de tomar um porre com Henry Chinaski pelos mais detonados muquifos de Los Angeles - e, quando a gente se despede, é sempre com um sincero “até o próximo”, antes de se levantar da mesa e sair trocando as pernas, ainda pensando no amigo.

Filmar “Hollywood” protagonizado por Rourke: estas idéias mirabolantes, quando postas em prática, costumam ou dar muito errado ou muito certo, sem possibilidade de meio termo. Seria fundamental tomar alguns cuidados, como, por exemplo, o Rourke/Bukowski velho jamais contracenar diretamente com ele mesmo, Rourke, quando jovem e etc – enfim: viagens de mesa de bar.

Mas já que cheguei até aqui, não custa dizer como imagino a última cena.

O velho escritor no cinema, com sua mulher, na pré-estréia de “Barfly”. De vez em quando, mama um trago da garrafa de vinho. A luz se apaga e se vê, em close, de perfil, seu rosto iluminado pela luz trêmula da projeção.

Corta para uma cena do filme (a tela vista na diagonal, deformada pela perspectiva). Na cena real de “Barfly”, se reconhece o jovem Chinaski.

Close de novo no ator/escritor. Que, bem devagar, esboça um sorriso.

Fade-out.

Fim.


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