quinta-feira, 17 de setembro de 2009


Dois Poetas Malacos de Dois Mil Anos Atrás



Companheiros de porre, conterrâneos (os dois nasceram na Espanha romana), Marcial e Juvenal não tinham papas na língua, nem medo de dar nome aos bois.


Despudorados cronistas sociais da decadência, não poupavam , nos seus versos e epígrafes, nobres, cidadãos nem senadores – isto numa época em que dizer a palavra errada podia significar o exílio ou a morte.


Pra salvar o couro, puxavam o saco dos poderosos com uma das mãos - mas deixavam a outra livre, para seus fins inomináveis.


Escreveu Marcial, inspirado num alto burocrata do império, chamado Labieno: “Você depila peito, braços, pernas/ E apara em arco seus pentelhos. Dou fé,/ Labieno: é pra agradar a namorada/ - Mas, e o cu depilado, pra quem é?”


Quadrinha atualíssima. Principalmente se pensarmos nos pagodeiros que depilam as sobrancelhas, modernetes e sertanejos com seus cabelinhos desalinhados à base de gel, nos famigerados freqüentadores de rave e nos “metrossexuais” em geral, de todas as tribos e arrebites.


A tradução dos poemas é do Décio Pignatari (que fez questão de respeitar, na transliteração, o latim chulo e coloquial dos dois poetas).



Juvenal (60-140)


Liga pra alguma coisa a mulher que ama e bebe?

Troca as bolas, não distingue o de cima e o de baixo,

Quando deglute dúzias de ostras noite adentro,

Regadas a falerno perfumado, sorvido

Em conchas espumantes, enquanto o teto gira,

A mesa levita e tudo o mais se vê dobrado.

Pois, então, suspeite dos risinhos zombeteiros

Dessa Maura, se passa pelo velho oratório

Da deusa do Pudor, ao lado de Túlia, irmã

De leite. De noite, é ali que param suas liteiras

Para mijarem, inundando a estátua da deusa

Com esguichos de urina. À luz da lua, as duas

Atracam-se, fodem, voltam para casa. Você,

À luz da manhã, em visita a nobres amigos,

Patina na urina da esposa, pelo caminho.



Marcial (40-140): Epigramas


VII, 18


Nem mesmo uma mulher ousa falar

Do seu rosto, e seu corpo é sem defeito.

Como se explica, então, que nenhum homem

Queira foder você mais de uma vez?

Aí há coisa, e muito grave, Gala.

Quando me achego e brota o prazer mútuo

Dos púbis e dos órgãos se esfregando,

Sua boca cala e sua boceta fala!

Prouvesse aos deuses o contrário: estou

Farto da falação da sua xoxota.

Prefiro peidos: são saudáveis, Símaco

Afirma, e dão motivo a boas risadas.

Cona que estala a língua me chateia:

Se a flauta é deprimente, a cobra abaixa.

Feche a xota, pois, e abra a boca;

Mas se for mesmo muda, pelo menos ensine

Essa crica a falar alguma língua.


VII, 67


Filena, o sapatão, agarra até

Os garotos por trás e, mais tesuda

Que um macho fogoso, traça meninas

Pela dúzia, num só dia; arregaça a saia,

Joga pelota, passa pelo corpo

O polvilho amarelo dos atletas;

Com braço musculoso e ágil, lança

Longe o peso de chumbo, desafio

A Barbados, e sai, suja de lama,

Do campo, para as mãos do massagista

Oleoso, que a lanha a vergastadas;

Não ceia reclinada sem primeiro

Vomitar sete garrafas de vinho,

E mais sete – depois de deglutir

Dezesseis bolos de carne. No fim,

Acometida de tesão, não chupa

Pau (“Não é coisa de homem”): devora

As chanas das meninas. Mas que os deuses,

Filena, dêem jeito na sua cuca:

Não creia ser viril chupar boceta.



Louquinho bufão (XIV, 210)


Não finge o pasmo, não inventa que é chapado:

Quem pira além da piração não é pirado.




5 comentários:

Anônimo disse...

Oi,Nilo. Conhece o "diálogo das prostitutas", de Aretino?

Olha isso aqui.
Antônia: Dize-me,Enana,não foste freira?
Enana: Fui.
Antônia: Não tiveste esposo?
Enana: Tive.
Antônia: Não foste cortesã?
Enana: Fui.
Antônia: E não tem coragem de escolher a melhor das três coisas?
Enana: Não.
Antônia: Por que não?

Adivinha, Nilo.
Abraço,
MM

Nilo Oliveira disse...

Muito bom. Do Aretino só tinha lido alguns sonetos, quando saiu a tradução do José Paulo Paes. O que me impressiona é como as coisas não mudam. Não tem muita diferença entre a Maura do Juvenal e as maluquetes da Augusta. Abraço.

Anônimo disse...

E o pior é constatar qual foi destino dos inconformados.
Abraço,
MM

Unknown disse...

Nilo,engraçado e bom pra caralho os poemas.abraços, Breno

Nilo Oliveira disse...

Valeu, Breno. Só não entendi uma coisa: tu és fã do Jonas Brothers? Nada contra, mas acho que não combina muito com Lucio Cardin... Abraço.