sexta-feira, 8 de janeiro de 2010




Certa vez, afirmei numa reunião de psicanalistas:

- A diferença entre o psicanalista e a puta é apenas o órgão que alugam.

Quem já passou pela experiência de participar de uma reunião do tipo, sabe que psicanalistas, de maneira geral, nunca riem imediatamente de uma piada.

Primeiro a sala fica em silêncio: todos os olhos voltados na tua direção. Num segundo momento, eles desviam o olhar, como se refletissem profundamente sobre o que foi dito - e só depois alguns cedem ao impulso do riso. Mas apenas alguns: porque outros - impregnados pela idéia de que nenhuma palavra é inocente - limitam-se a dar uma longa tragada no cigarro e, em casos mais graves, te perguntarem com os olhos algo como "O que, na verdade, você quis dizer com isso?"

Pra me esquivar de constrangimentos do tipo - e de forma absolutamente desnecessária - resolvi emendar a afirmação:

- Nos dois casos se cobra por hora. Apesar da promiscuidade - explícita ou latente - o beijo na boca é proibido. E, ao colocar os sapatos, a gente sempre tem a sensação de que faltou alguma coisa - ou de que foi sistematicamente enganado.

Tempos depois, lendo o "Breviário de Decomposição", me deparei com este texto, que considero de uma sinceridade tocante - coisa que falta, ao falar da sua profissão, à maioria dos psicanalistas:


Cioran: Filosofia e Prostituição

O filósofo, desiludido dos sistemas e das superstições, mas ainda perseverante nos caminhos do mundo, deveria imitar o pirronismo de trottoir que exibe a criatura menos dogmática: a prostituta. Desprendida de tudo e aberta a tudo; esposando o humor e as idéias do cliente; mudando de tom e de rosto em cada ocasião; disposta a ser triste ou alegre, permanecendo indiferente; prodigando os suspiros por interesse comercial; lançando sobre os esforços do seu vizinho sobreposto e sincero um olhar lúcido e falso, ela propõe ao espírito um modelo de comportamento que rivaliza com o dos sábios. Não ter convicções a respeito dos homens e de si mesmo: tal é o elevado ensinamento da prostituição, academia ambulante de lucidez, à margem da sociedade como a filosofia. "Tudo o que sei aprendi na escola das putas", deveria exclamar o pensador que aceita tudo e recusa tudo, quando, a exemplo delas, especializou-se no sorriso cansado, quando os homens são, para ele, apenas clientes, e as calçadas do mundo o mercado onde vende sua amargura, como suas companheiras seu corpo.

* * *

Ao procurar imagens pra ilustrar este post, encontrei isto aqui:


Quem acompanha este blog, sabe que existe aí um mistério (ver o post "Necrófila Disney", de 6 de outubro de 2009.) Tenho certeza que não me enganei de endereço.

Se alguém puder elucidá-lo, agradeço.

8 comentários:

Helen disse...

o beijo na boca é proibido nos dois casos, mas, essa paranóia com a idéia (que hoje em dia já é um delírio) sobre o mito da prostituta, bem que parece um problema edípico mal resolvido com a progenitora...
Abs

Nilo Oliveira disse...

Pra mim as prostitutas e suas vidas desencantadas são coisas muito palpáveis. Mito ou "delírio" - pra ser um tanto óbvio - é esta história de "édipo".

"Édipo Rei", apesar de toda "nóia" freudiana, é apenas uma peça de teatro genial... Abraço.

Anônimo disse...

Tem duas tumbas, Nilo. Uma pro Cioran e a mulher dele,a tal de Simone. E a outra ( que você fotografou in loco) pro Vampirão.
Abraço,
MM

Helen disse...

aí já é obsessão... rsrs

Nilo Oliveira disse...

Pois é, Mirisola... Eu acho que é a mesma que fotografei, mas (traição!) só gravaram o nome agora. Abraço.

Nilo Oliveira disse...

Obsessão justificada, Nina, plenamente justificada...

Muryel De Zôppa disse...

conheci Cioran por mirisola e tu, passei olho nuns trecos do descompassado e gostei pra chuchu. abraços!

Nilo Oliveira disse...

Dou boas risadas com o Vampirão (é assim que o Mirisola o chama.) Abraço.