Reflexões Desertoras
Meses atrás, caíram na minha mão, um seguido do outro, o "Meridiano de Sangue", do Cormac McCarthy, e "Os Sete Pilares da Sabedoria", do T. E. Lawrence (o "Lawrence da Arábia"). Dois livros cujo personagem principal é o deserto: homens andando pra lá e pra cá, ocupados em guerras, armações políticas e massacres, enquanto a paisagem, quase sem oferecer lugares pra descansar os olhos ou a esperança, parece rir em silêncio daquilo tudo - apenas aumentando, entre uma emboscada e outra, sua infinita coleção de esqueletos.
Por tabela, lembrei de uma passagem do Borges (acho que do "Evaristo Carriego"), onde ele diz que os nômades do Saara, assim como os índios do Pampa, queimavam as cidades e depois acampavam ao relento, fora das poucas construções que ainda ficavam de pé, não por sadismo e costume, mas por um espécie de pavor, em muito suscitado pela incompreensão: como alguém podia viver naquelas gaiolas de pedra, apartados da planície? E, só pra citar uma referência de quintal, foi atravessando pela segunda vez um deserto que Riobaldo solidificou em si a coragem recém adquirida, talvez emprestada pelo demônio.
Quando era pequeno, morei na fronteira com a Argentina, e tive algumas vezes a experiência de ficar sozinho, frente a frente com o Pampa - o que, em alguns momentos, representou o mesmo que encarar minha própria insignificância diante das coisas que estão ali e sempre estarão, indiferentes ao teatrinho epiléptico imposto pelas civilizações e suas rotas tontas.
Lawrence comenta que os profetas de todas as grandes religiões que se perpetuaram, cumpriram mais ou menos o mesmo ciclo: "O nascimento os colocara em lugares apinhados. Um anseio intenso e incompreensível os levava ao deserto. Ali viviam mais ou menos tempo, em meditação e abandono físico. Depois voltavam, com suas mensagens imaginadas perfeitamente definidas, a fim de pregá-las aos seus antigos - e agora duvidosos - companheiros. (...) O impulso para Nitria sempre foi irresistível aos pensadores da cidade, provavelmente não porque encontrassem Deus habitando lá, mas porque na solidão ouviam mais claramente a palavra viva que já levavam dentro de si." E, em outro trecho, falando dos seus abnegados adversários e companheiros de armas: "O beduíno não podia procurar Deus dentro de si; estava absolutamente convencido de que era ele quem estava dentro de Deus."
Pra mim, períodos de isolamento sempre foram fundamentais. Escrevo de madrugada. Uns mais, outros menos, todo mundo carrega dentro si algumas paisagens desoladas. Alguns vivem em função de arrumar maneiras de povoá-las, fugir do silêncio absurdo. Outros se recolhem e escutam.
Acho que escrever deve muito à manipulação - dentro do possível, consciente - dessas duas necessidades do espírito.
4 comentários:
Nilô, só tenho duas coias a te dizer:
a) estou bêbado;
b) vai tomar no cu!
GRAAAANDE ABRAÇO!
Tu vai direto pro inferno! Na sexta-feira santa não se enche a cara nem se fala do cu alheio! Abraço, excumungado!
O bonito é que um bêbado postou à 01:59 da manhá e o outro respondeu às 03:02.
Eu escrevo a esta hora. Bêbado era só tu. Devia tá bebendo com aquele pagão de Magrisso...
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