sexta-feira, 12 de agosto de 2011


Nosferatu

Este bicho me tirou o sono quando guri. Por acaso, de passagem pelo quarto dos pais, a tv ligada no Fantástico: na época, com a narração dramática do Cid Moreira ou do Sérgio Chapelin, o Fantástico sempre encerrava com uma matéria que tornava mais difícil o nosso despertar na segunda-feira (lembro de outra que simulava, pelos corredores vazios do Edifício Elba, os gritos das pessoas que morreram queimadas, e  fez com que eu evitasse ficar sozinho em corredores desertos, escadarias e elevadores por um bom tempo).

A matéria da vez era sobre a existência ou não de vampiros, ilustrada com imagens do filme de Murnau.

Emergindo num canto da tela - primeiro a sombra corcunda, de dedos longos, retorcidos, que terminavam em garras. Depois, na contraluz da porta, a silhueta tensa, braços pendidos ao longo do corpo, olhos arregalados de olheiras profundas, que brilhavam no escuro como se cheios de pavor pela própria figura. Não tinha a elegância de um Cristopher Lee e dos sugadores de carótidas subsequentes: tudo naquele bicho era medo, ameaça - os dentes incisivos, quase patéticos, no lugar das presas - e a certeza que, com ele, não haveria possibilidade de negociação. 


Além disso, o nome: Nosferatu - muito pior que "vampiro", palavra bonita, que ameaça encrespar mas arredonda no fim, ou "Drácula", o nome original, que mesmo sussurrada se assemelha a um grito - e todos sabem a importância do silêncio ou, no máximo, de uma trilha em tom menor quando o objetivo é provocar o susto.

"Nosferatu" sempre me pareceu uma ameaça que desliza pelos pontos cegos da casa, onde a noite parece coagular, enrodilhada feito uma serpente, uma voz repentina, grunhida próxima ao ouvido, um hálito com cheiro de ratazanas e a língua úmida e fina que anestesia a carne antes do estalo da jugular. 

Filmes antigos de terror, mudos e em preto e branco, sempre me pareceram mais eficientes no seu objetivo de nos encagaçar que os de hoje, mesmo com a atual pirotecnia, excesso de sangue e exagero de efeitos sonoros. Talvez porque, em se tratando de tempos remotos, as coisas se igualem na nossa memória - tanto faz se os anos 20 ou a Idade Média - e por isso, ao me embrenhar nesses cenários góticos e atuações pra lá de "expressionistas", me venha a sensação de estar assistindo o registro de algo que realmente aconteceu. 


...e o guri tapava a cabeça, quase sem respirar, pelas sombras que se transmutavam em morcegos pelo teto e pelas paredes do quarto. 

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