quinta-feira, 4 de agosto de 2011


A Queda

Outro filme que não me canso de assistir - e que provoca reflexões necessárias nessa época de bebês abandonados em lixeiras, atiradores que chegam distribuindo morte com ou sem motivo aparente e na qual o fundamentalismo - político e religioso - ameaça renascer de forma tão perigosa quanto sedutora. Ou melhor: perigosa porque sedutora - já que cotidianamente alimentado pelos temores, sonhos, preconceitos - pela festiva e confortável omissão das chamadas "pessoas de bem".

Um monstro só é terrível pela semelhança fugidia e/ou deformada que ele tem com nosso próprio rosto. Essa familiaridade que mal se anuncia e logo se esconde, essa assimetria insolúvel, que a um só tempo nos afasta e aproxima das ações e das figuras monstruosas  está na base do desconforto, dessa espécie de angústia - semelhante a que experimentamos frente a uma ameça que não conseguimos distinguir não pela distância, mas por estar muito próxima aos olhos

Humanizar o monstro sem resvalar na caricatura ou - o que é pior - na condescendência é um desafio pra qualquer teórico ou artista. E é por isso que o Hitler de Bruno Ganz (e do diretor Oliver Hirshbiegel) pode ser considerado genial. Enquanto alemães, eles não se recusaram a olhar no fundo deste espelho trincado, vergonhoso, juntar os estilhaços e formar com eles a face de um homem - com todos os pavores, fragilidades e também com todas as coisas terríveis que, dentre tudo o que se move pela face da terra, apenas um homem é capaz de fazer. Uma forma de avisar aos navegantes: o monstro passeia pelo nosso convés. Ignorá-lo é compactuar com ele. Porque o monstro se alimenta principalmente da recusa de vê-lo, da ausência de pensamento - da insistência em apartá-lo para um limbo obscuro, chamado "loucura", "aberração" ou coisa que os valha. Ao ignorarmos sua humanidade intrínseca, o monstro cresce, fortalecido. Multiplica-se. Adquire justificativas plausíveis e se espalha, capcioso e sutil - até que tarde demais percebemos que o urro (Heil!), cercado de milhares de urros iguais, saiu de dentro da nossa garganta.



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