sábado, 25 de junho de 2011

Alfonsina e o Mar


O pouco da obra de Alfonsina Stormi que conheço se deve à curiosidade inspirada pela música de Ariel Ramírez e Félix Luna, "Alfonsina y el Mar", composta a partir de seu poema/ último bilhete,intitulado "Voy a Dormir". Dizem que a descoberta de um câncer e o suicídio do amigo e poeta Horácio Quiroga contribuíram pra que pulasse de um barco e morresse afogada, em Mar del Plata, no ano de 1938, quando tinha 46 anos de idade.

Alfonsina não caminhou vagarosamente mar adentro como sugere a música. Pelo menos não de forma literal. Porque sempre imagino o suicídio como uma lenta e irreversível imersão no próprio nada - nesse absurdo que rege  toda e qualquer existência humana, e que faz a gente se ocupar tanto justamente pra evitar encará-lo dentro dos olhos - até que o gesto de tirar a própria vida pareça a coisa mais natural a se fazer: uma confirmação daquilo que, pro suicida, se impõe como a única realidade - e o fato de estar vivo torna-se quase que um embaraço, um problema a ser resolvido da forma mais breve e indolor possível.

No livro "Mulheres", Eduardo Galeano faz o seguinte retrato da poeta, nascida por acaso na Suíça, mas argentina de corpo e alma:

"Quando há anos chegou a Buenos Aires vinda do interior, Alfonsina trazia uns velhos sapatos de saltos tortos e no ventre um filho sem pai legal. Nesta cidade trabalhou no que apareceu, e roubava formulários do telégrafo para escrever suas tristezas. Enquanto polia as palavras, verso a verso, noite a noite, cruzava os dedos e beijava as cartas do baralho que anunciavam viagens, heranças e amores.

O tempo passou, quase um quarto de século, e nada lhe foi dado pela sorte. Mas lutando com mão firme Alfonsina foi capaz de abrir caminho no mundo masculino. Sua cara de camundongo travesso nunca falta nas fotos que reúnem os escritores argentinos mais ilustres.

Este ano de 1935, no verão, soube que tinha câncer. Desde então escreve poemas que falam do abraço do mar e da casa que a espera lá no fundo, na avenida das madrepérolas."

Minha mãe tinha alguns discos da Mercedes Sosa e os ouvia todas as manhãs, enquanto arrumava a casa. Eu achava aquilo  um saco. Aos treze anos, era um projeto de roqueiro fundamentalista - e posso dizer que "Alfonsina y el Mar" me resgatou da tristeza e banalidade deste destino. Certa manhã, por pura falta do que fazer, peguei o encarte do disco e, quando a música acabou, alguma coisa havia mudado (hoje já dá pra arriscar que pra sempre).

Abaixo, a música, a letra e o poema. Deixo em espanhol mesmo. Basta saber que "huella" é "pegada", "sirenita" é "sereiazinha" e "nodriza", "babá" ou "ama-de-leite".



Alfonsina y el Mar
(Ariel Ramírez/ Félix Luna)

Por la blanda arena
Que lame el mar
Su pequeña huella
No vuelve más
Un sendero solo
De pena y silencio llegó
Hasta el agua profunda
Un sendero solo
De penas mudas llegó
Hasta la espuma
Sabe Dios qué angustia
Te acompañó
Qué dolores viejos
Calló tu voz
Para recostarte
Arrullada en el canto
De las caracolas marinas
La canción que canta
En el fondo oscuro del mar
La caracola
Te vas Alfonsina
Con tu soledad
¿Qué poemas nuevos
Fuíste a buscar?
Una voz antigüa
De viento y de sal
Te requiebra el alma
Y la está llevando
Y te vas hacia allá
Como en sueños
Dormida, Alfonsina
Vestida de mar
Cinco sirenitas
Te llevarán
Por caminos de algas
Y de coral
Y fosforescentes
Caballos marinos harán
Una ronda a tu lado
Y los habitantes
Del agua van a jugar
Pronto a tu lado
Bájame la lámpara
Un poco más
Déjame que duerma
Nodriza, en paz
Y si llama él
No le digas que estoy
Dile que Alfonsina no vuelve
Y si llama él
No le digas nunca que estoy
Di que me he ido
Te vas Alfonsina
Con tu soledad
¿Qué poemas nuevos
Fueste a buscar?
Una voz antigua
De viento y de sal
Te requiebra el alma
Y la está llevando
Y te vas hacia allá
Como en sueños
Dormida, Alfonsina
Vestida de mar

*

Alfonsina Stormi: Voy a Dormir


Dientes de flores, cofia de rocío,
manos de hierbas, tú, nodriza fina,
tenme prestas las sábanas terrosas
y el edredón de musgos escardados.

Voy a dormir, nodriza mía, acuéstame.
Ponme una lámpara en la cabecera;
una constelación, la que te guste;
todas son buenas, bájala un poquito.

Déjame sola; oyes romper los brotes ...
te acuna un pie celeste desde arriba
y un pájaro te traza unos compases para

que olvides ... Gracias ... Ah, un encargo:
si él llama nuevamente por teléfono
le dices que no insista, que he salido.


Um comentário:

BAR DO BARDO disse...

Belas lições do sub... marinho...