sexta-feira, 29 de julho de 2011

Numa conversa pelo Facebook com a Paula Klaus, a Luana Vignon e a Adriana Brunstein, o assunto começou com "Bijuterias" - tema da novela "O Astro" - e terminou nisto daqui:


A música se chama "Bandalhismo", da dupla Bosco/ Blanc, e está no disco de mesmo nome. A letra é um pastiche de um soneto de Augusto dos Anjos, chamado "Vandalismo" - e como este brógui sempre mostra o pau e mata a cobra, aí vão as duas obras: uma pra ler e a outra pra cantar junto (ou vice-versa).


VANDALISMO 
(Augusto dos Anjos)


Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos ...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!




BANDALHISMO 
(João Bosco - Aldir Blanc)


Meu coração tem butiquins imundos,
antros de ronda, vinte-e-um, purrinha,
onde trêmulas mãos de vagabundos
batucam samba-enredo na caixinha.

Perdigoto, cascata, tosse, escarro,
um choro soluçante que não para,
piada suja, bofetão na cara
e essa vontade de soltar um barro....

Como os pobres otários da Central,
já vomitei sem lenço e sonrisal
o p. f. de rabada com agrião...

Mais amarelo que arroz de forno,
voltei pro lar, e em plena dor-de-corno
quebrei o vídeo da televisão.






quinta-feira, 28 de julho de 2011


(à memória de A. Winehouse, M. Jackson & C. Cobain)


A morte de um popstar não causa mais impacto, porque eles já não morrem: antes se desmancham até sumir, viram piada, agonizam no centro de um picadeiro cercado de celulares e queixos empinados pra ver a cena através de um visor de cristal líquido - porque o mundo também já não é algo que se olha de frente: antes é armazenado em chips e pen-drives pra ser "curtido" depois. Amy Winehouse morreu de causas sobrenaturais, uma criança desceu o morro fugindo do tiroteio de milicianos e acabou voando pelos ares ao pisar no asfalto junto com uma tampa de bueiro, um gato sobreviveu a um ciclo de enxague dentro de uma máquina de lavar, o último índio foi enforcado na última árvore com as tripas da última onça-pintada, a Sandy afirmou numa entrevista pra Playboy (e depois, de maneira um tanto redundante, "voltou atrás") que "o prazer anal/ até pode ser legal" - e tudo dá na mesma: pra que perder tempo refletindo, remoendo notícias e informações, se todas as coisas do mundo estarão eternamente disponíveis (apesar de raramente acessadas) neste grande HD externo onde o tudo e o nada se nivelam na mesma falta de importância?

"A Fila Anda": taí o epitáfio ideal pra uma geração condenada ao esquecimento por excesso de memória. 


segunda-feira, 18 de julho de 2011


Dois Conselhos de C. Bukowski 

I
então queres ser um escritor?


se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração da tua cabeça da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.
se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.
se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.
não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-
-devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.
quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.
não há outra alternativa.
e nunca houve.



II

agora, se você tivesse que ensinar escrita criativa, ele perguntou, o que você lhes diria?


eu lhes diria para ter um caso de amor
fracassado, hemorróidas, dentes podres
e beber vinho barato,
para evitarem a ópera e o golfe e o xadrez,
seguirem trocando a guarda de suas
camas de parede em parede
e depois eu lhes diria para terem
outro caso de amor fracassado
e nunca usar uma fita de seda na máquina
de escrever,
evitar os piqueniques em família
ou serem fotografados em um jardim coberto de
rosas;
para lerem Hemingway apenas uma vez,
pularem Faulkner
ignorarem Gogol
olharem fixo para as fotos de Gertrude Stein
e ler Sherwood Anderson na cama
comendo biscoitos Ritz água e sal,
perceberem que as pessoas que não param
de falar sobre liberação sexual
na verdade estão mais assustadas do que vocês.
para ouvirem E. Power Biggs debulhar o
orgão no rádio enquanto estão
fumando um Bull Durham no escuro
numa cidade estranha
restando apenas um dia pago de aluguel
após terem desistido de tudo
amigos, parentes e empregos.
jamais se considerem superiores e/
ou dentro da média
nem nunca tentem sê-lo.
tenham um outro caso de amor fracassado.
observem uma mosca sobre uma cortina de verão.
jamais tentem ter sucesso.
não joguem sinuca.
deixem que uma fúria legítima tome conta de vocês
quando seus carros estiverem com pneu no chão.
tomem vitaminas mas não levantem pesos nem corram.

então depois disso tudo
revertam o processo.
tenham um bom caso de amor.
e a coisa
que talvez aprendam
é que ninguém sabe nada -
nem o Estado, nem os ratos
nem a mangueira no jardim nem a Estrela Polar.
e se por acaso vocês me pegarem
ensinando numa classe de escrita criativa
e me lerem este poema
eu lhe darei um A com louvor
bem no olho
do cu.



sábado, 16 de julho de 2011

Birkin & Gainsbourg:
Je T'aime Moi Non Plus


Reflexo condicionado: fico de pau duro e tiro 
a carteira do bolso.

sexta-feira, 15 de julho de 2011


The Godfather


Nunca me canso de ver esses filmes... Coppola meio que os menospreza, dizendo que só aceitou fazer "filmes de gângster" porque estava quebrado (a entrevista onde ele afirma isto, concedida ao programa "Inside the Actors Studio", pode ser vista aqui). 

Pra mim tudo parece perfeito, principalmente o roteiro e as atuações - sem falar da trilha sonora. 

Outra coisa que sempre me impressiona: Marlon Brando tinha 47 anos quando interpretou Don Corleone, e era um sujeito de estatura de média pra baixa (em torno de 1m70cm). Pra se ter uma idéia, "O Último Tango em Paris" foi filmado no ano seguinte (1972) - e em nenhum momento de "The Godfather" a gente deixa de acreditar que ele é um sexagenário alto e corpulento... A cena da morte do Chefão, quando ele brinca com o neto entre videiras, é talvez a coisa mais bonita que vi numa tela desde que me conheço por gente. 

Abaixo, partes da trilha sonora composta quase toda por Nino Rota (com uma "ajudazinha" de Ennio Morriconne), além de algumas frases clássicas do "Padrinho".



"Mantenha seus amigos por perto, e seus inimigos mais ainda".

"Nunca deixe que ninguém de fora da família saiba o que você está pensando".

"Um advogado com uma pasta na mão pode roubar mais que mil homens armados".

"Passei a vida inteira tentando não ser descuidado. Mulheres e crianças podem ser descuidadas, homens não".


"Quem lhe oferecer segurança será o traidor".

"Se um homem honesto como você fizesse inimigos, então eles seriam meus inimigos - e temeriam você".

"Dói mais ter algo e perdê-lo do que nunca tê-lo".

"Nem todo o poder do mundo pode mudar o destino".

"Um homem que não se dedica a família nunca será um homem de verdade".

"Tenho uma fraqueza sentimental pelos meus filhos. Como pode ver, eu os estraguei: eles falam quando deveriam ouvir".

"Eu não me lembro da última vez que você tenha me convidado para tomar um café em sua casa, mesmo minha mulher sendo madrinha da sua única filha. Mas agora você vem até mim e diz: Don Corleone faça justiça. Mas não pede com respeito, não oferece amizade. Você nem mesmo pensa em me chamar de Padrinho. Ao invés disso, você entra na minha casa no dia do casamento de minha filha e me pede pra matar por dinheiro".

"Se você tivesse se cercado com um muro de amigos, isto não estaria acontecendo".

"O mundo é tão difícil que uma pessoa precisa de dois pais".

"Não sou um homem supersticioso. Se algo acontecer com meu filho, se ele for atingido por um raio, se o avião dele cair, se for baleado na cabeça por um policial ou se enforcar na prisão, eu teria de culpar algumas pessoas nesta sala. E isto eu não perdoaria. Mas fora isso, juro pela alma de meus netos que não serei eu quem irei quebrar a paz que selamos hoje".

"Deixe que seus amigos subestimem suas qualidades e que seus inimigos superestimem seus defeitos".




quinta-feira, 14 de julho de 2011

Já postei aqui esta música, mas não tinha achado a versão original. Nunca é demais.


Paulinho da Viola: Roendo as Unhas

Meu samba não se importa que eu esteja numa
De andar roendo as unhas pela madrugada
De sentar no meio fio não querendo nada
De cheirar pelas esquinas minha flor nenhuma

Meu samba não se importa se eu não faço rima
Se pego na viola e ela desafina
Meu samba não se importa se eu não tenho amor
Se dou meu coração assim sem disciplina

Meu samba não se importa se desapareço
Se digo uma mentira sem me arrepender
Quando entro numa boa ele vem comigo
E fica desse jeito se eu entristecer


quarta-feira, 13 de julho de 2011

O Milagre da Concepção


Olhou os próprios pés que apontavam o teto em direções opostas e pensou nos ponteiros de um relógio: quase quinze pras três. Ele lá dentro. Tinha a manha de quase tirar tudo e enfiar de novo, aproveitando a umidade das bordas. Agradeceu à mãe pelas aulas de balé porque o pau tinha escapado e ela quase perdera o controle quando sentiu a esfera relar do cu ao períneo no caminho de volta. O filho da puta não perdia o ritmo. As mãos ocupadas em agarrar sua nuca e cabelos pra que as bocas não se afastassem, a textura mole de respirações misturadas e das palavras sujas, interrompidas. Cadela. Cadelinha puta. O rosto da mãe na platéia, inchado de orgulho. Sabia que não havia mais volta. A larga cicatriz na omoplata - que de vez em quando sentia nas palmas quando estreitava o abraço - tinha sido obra sua. Os olhos dele abertos e fixos rentes aos seus olhos que fugiam ora pra musculatura retesada dos ombros - a ondulação violenta dos quadris em perspectiva entre coxas -, ora para os próprios pés, lá no alto, lassos, que balançavam como se fraturados nos tornozelos. Bom sinal. As coisas estavam sob controle. Podia até simular a cara de tédio que ensaiara desde o último encontro. Quando o pau escapuliu e entrou numa manobra firme, reta, inesperada, relando a parede do útero e turvando seu pensamento feito poça violada por cascos. Cerrou os dentes: a mão em garra, a nuca que se desfazia entre os dedos - os quadris agora desabavam contra as virilhas num movimento duro e acelerado (impossível não pensar na palavra "surra"). Enlaçou a cintura  dele com as pernas e ameaçou, como se cuspisse, Vou te meter um filho, ao que ele respondeu, com doçura: Azar o teu - e gozou.

terça-feira, 12 de julho de 2011



Como todo brasileiro, meu sonho de consumo é uma tv de 102 polegadas, full HD e etcetera e tal - mas única e exclusivamente pra ver, direto do YouTube, preciosidades feito esta. 



sábado, 9 de julho de 2011

Frio


"Em trinta anos de polícia, eu nunca vi uma coisa dessas" - comentou o agente Neri Emerin Filho, da 1a. DP de Florianópolis.

Na última quarta-feira, um detento que estava foragido desde março, ligou de um orelhão para o 190 e pediu pra voltar. Baiano, sem família ou conhecidos por aqui e vivendo na rua, ele não aguentou a sequência de madrugadas frias da semana passada (em torno dos 5°C) e agora está de novo guardado na penitenciária de São Pedro de Alcântara, onde jura que vai cumprir o restante da pena sem reclamar.

Segundo o Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Ciram), as temperaturas na serra catarinense oscilaram em torno aos -7°C, com sensação térmica beirando aos -27°C.

Conclusão geo-filosófica: 

A Sibéria é aqui - e não existe conceito mais frágil e relativo que o de liberdade.

quarta-feira, 6 de julho de 2011


Duas Lições de João Cabral

I

"Qualquer coisa espontânea que eu faço, desconfio dela. Parece ser eco de alguém. Por exemplo, se o Espírito Santo descer aqui nesse instante e me assoprar no ouvido o poema mais genial do mundo, ainda que não seja eco de nenhum poema que eu tenha lido, eu rasgo. Não acredito. Preciso trabalhar em cima, eliminar o que sei que ainda não sou eu, compreende? O artifício não é fuga, ajuda a gente a penetrar em si mesmo.

(...)

Criação é composição. É arrumação de coisas exteriores, junção de elementos para criar um objeto. Antigamente, quando o cara estava com apoplexia, vinha um farmacêutico e o sangrava, porque ele tinha excesso de sangue. Agora, existe outra fobia de espíritos para quem a criação é o resultado de uma carência de ser. O sujeito que não tem uma perna e que para ficar de pé fabrica uma muleta, está entendendo? Ele não está criando por excesso de ser, e sim por carência de ser. Ele precisa se completar no objeto que está tentando construir".

(Entrevista para Edla van Steen, do livro "Viver e Escrever", vol. 2)


II


(...)

Mas eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,

o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra
o da figura de lenha
lenha seca de caatinga,

o que melhor calculava
o fluido aceiro da vida,
o que com mais precisão
roçava a morte em sua fímbria,

o que à tragédia deu número,
à vertigem, geometria
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida,

sim, eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demonstrar aos poetas:

como domar a explosão
com mão serena e contida,
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida,

e como, então, trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor,
sem poetizar seu poema.

sábado, 2 de julho de 2011



Hoje faz 50 anos que Hemingway apoiou a espingarda no queixo e, não mais por esporte, matou seu último leão.

... e vão ao inferno 
à procura de luz


Quando o João Gilberto e a bossa nova estouraram nas rádios, o Lupicínio falou, indignado:

- Há trinta anos que me enchem o saco por cantar desse jeito...

Mais abaixo, duas músicas do Lupi: "Esses Moços", pelo próprio, e "Um Favor, pela Eduarda Fadini.

Normalmente tenho os dois pés atrás com essas novas cantoras "samba raiz"...  Acho que gravar uma música que já foi cantada pela Elizeth Cardoso, Clara Nunes ou Elis Regina é uma coisa tão supérflua quanto humilhante. E ainda têm as  tais das "releituras"... Como diz meu amigo Joãozinho - um cara do tempo em que o pior que podia acontecer a um bêbado era pegar uma doença tratável com antibióticos, bater num PM ou esperar o madrugadão - prefiro uma gonorréia. 

Só pra sentir o tamanho do drama: o vídeo de "Um Favor" é parte daquele programa da Globo, "Som Brasil", em que novos talentos interpretam algum compositor da MPB. Além dessa moça (um verdadeiro oásis), os outros "novos talentos" que cantaram as músicas do Lupicínio Rodrigues foram o Alexandre Pires, o Paulo Moska e o Thedy Corrêa... 

(Uma pausa pro leitor parar de gritar e bater a cabeça na parede).

Uma alternativa: talvez esteja sendo injusto com os idealizadores do programa. A coisa toda pode não ter passado de um sofisticado exercício de hipérbole: já que as letras do Lupicínio falam tanto em sofrimento, os produtores podem ter convocado o trio ternura Pires-Moska-Thedy pro espectador sentir na pele - e de maneira sadicamente profunda - que viver não passa mesmo de um intermitente e fortuito reencontro com a desgraça. 

Se foi isto, o programa então foi genial.