sexta-feira, 6 de maio de 2011


Um amigo que trabalha com marketing virtual (caralho!) me aconselhou, dia desses, a reduzir o tamanho das minhas postagens. "Ninguém lê textos desse tamanho na tela", ele me disse. Então, em sua homenagem, republico a seguir um texto antigo - que, por alguma razão, eu havia limado do blogue - em versão revista e ampliada. Quem quiser ler, que leia. Quem não quiser, que só veja as figuras. 

Um Tesão Desgraçado

Denise Dummont 

Escrita e dirigida por mim e mais dois gaiatos, a peça “A Múmia de Thara” era, na verdade, uma colagem desencontrada de sketchs. Misturava trechos de “O Jovem Frankenstein”, do Mel Brooks e de “O Segredo da Múmia”, do Ivan Cardoso, com lutas em câmera lenta, citações de filmes japoneses com direito a dublagem ao vivo, uma sodomização com um cabo de vassoura e um coração de boi lançado contra a platéia (não, na época nenhum de nós sabia quem era José Celso Martinez Corrêa).

Apesar do estrondoso sucesso, a obra foi encenada apenas uma vez, rendendo a seus idealizadores – além de alguns possíveis peitinhos de candidatas a atriz acariciados atrás das escadarias do ginásio – uma grande puteada por parte do Irmão Diretor, duas semanas de suspensão e, enviada aos pais, uma carta de advertência, recomendando urgente tratamento psiquiátrico.

Nenhuma pretensão intelectual ou artística nessa história. O motivo de tudo era, não necessariamente nesta ordem, o divertimento e a sacanagem – além da esperança clandestina e eriçada dos peitinhos das colegas (no meu caso, até hoje, a motivação é a mesma).

Lucélia Santos
Na mesma época – e por razões idênticas – tínhamos descoberto quase sem querer a obra do Nelson Rodrigues.

Um acontecimento. Durou duas semanas a mostra de filmes na Cinemateca Paulo Amorim – estrategicamente localizada na rua que passava atrás dos muros do Colégio Nossa Senhora das Dores, de modo que, durante três semanas, as aulas vespertinas de Ensino Religioso e Informática eram assassinadas em prol da manutenção da nossa cartucheira de inspirações.

A Lucélia Santos currada na chuva por meia dúzia de crioulos suados. O escalpo íntimo e generoso de uma Cláudia Ohanna quase adolescente, toda encolhida no meio de um surubão iracundo. Os mamilos cor de doce de leite da Sônia Braga. A Vera Fischer, linda, trepando com o José Wilker dentro de uma cova.

Por muito pouco não fiquei cego por causa da Cristina Aché.

Cristina Aché
Aliás: se o que se falava sobre os efeitos colaterais da bronha fosse mesmo verdade, no final da mostra – além de ter ficado cego e louco – a palma da minha mão direita teria ficado igualzinha ao baixo ventre selvagem e eriçado da Cláudia Ohanna.

Mas o texto me pegou desprevenido: e em segredo, aos quatorze anos de idade, eu queria escrever como o Nelson Rodrigues, quase com a mesma intensidade que desejei estar no lugar do Antônio Fagundes, na antológica cena da calcinha, de “Os Sete Gatinhos.

Quem tinha treze ou quatorze anos em 1986 deve se lembrar do surto político-ginecológico que eclodiu nos meios de comunicação quando a censura acabou. Fomos sistematicamente arretados em rede nacional por quase uma década.

Calças Deandê & biquínis asa-delta. Os famigerados strips do Comando da Madrugada. Cicciollina com os dedinhos em V e um peito de fora, em pleno o Jornal Nacional. Noites em claro e grandes olheiras por conta das transmissões ao vivo dos bailes de carnaval do Scala, do Monte Líbano e do Ilha Porchat.

Os professores de História e OSPB – com suas bocas cheias de perdigotos, palavras de ordem e revoluções fracassadas – tentavam nos conscientizar de que o Pato Donald era, na verdade, um pernicioso agente do imperialismo norte-americano, com a missão de reprogramar nosso cérebro entre uma e outra visita que fazia ao Urtigão junto com o Peninha (este, um factóide ideológico desenvolvido pela CIA, destinado a nos transformar em vagabundos acéfalos, completamente submissos ao capital do Tio Patinhas) – e tudo o que a gente queria era ir pra Califórnia. Que, pra provincianos feito nós, ficava em Saquarema, em plena época do desbunde – só pra comer a Cláudia Magno, na praia, ao som de uma guitarra havaiana.

“Sexo Explícito” e “Nu Frontal”: estavam aí nossas palavras de ordem. Da uretra aos baguinhos e dos baguinhos à uretra – tudo farta e secretamente embasado por subornos a funcionários de certas salas de cinema, donos de bancas de revistas e atendentes de vídeo-locadoras.

Claudia Magno
Mas o problema é que Deus existe. Não esse Deus auto-ajuda propagandeado pelo cristianismo, mas o Outro. O mesmo que fez uma aposta com o diabo e, por conta disto, fodeu com a vida de Jó. Cobriu Sodoma num inferno de lava e afogou o mundo inteiro – livrando apenas a cara de Moisés, dos seus familiares e de um casal de cada bicho – só pra acabar com a sacanagem.

O Deus vingativo, inspirador e protagonista do Velho Testamento, dado a castigos e fúrias – e sem nenhum pingo de senso de humor.

“Um castigo do Nosso Senhor pra acabar com os pederastas!” – vociferava meu barbeiro, um evangélico raivoso, fundamentalista, com uma navalha na mão e olhos de arcanjo vingador, os quais cintilavam tara e perfídia nos espelhos manchados da Barbearia Santa Cecília, em 1984.

Depois do delírio, a desgraça.

Helena Ramos
Quando estávamos pra lá de aquecidos (pegando fogo, na verdade) e prestes a entrar em campo, soou o apito de impedimento: um boato. O perigo de uma morte lenta e dolorosa. Como pano de fundo, todos os requintes de uma trama diabólica, maquiavélica, que ninguém sabia onde, como ou quando havia começado.

Vejam bem: primeiro, o arreto generalizado. Depois, a confirmação de que o mesmo mecanismo que, a princípio, serviria à manutenção da vida, poderia levar a uma morte terrível e, na época, ainda por cima vergonhosa.

Foi por causa da AIDS que voltei a acreditar não apenas na existência de Deus, mas também naquela história de que somos feitos a Sua imagem e semelhança. É uma armadilha perfeita demais pra não ter sido arquitetada por uma inteligência ao mesmo tempo superior e muito parecida com a nossa.

Um desfecho broxante: nunca mais os embalos desencanados da grande suruba prometida.

Mas não podíamos prescindir ao pau duro ambulante ao qual fomos levados a nos tornar. A saída foi negar o horror e seguir em frente. O sexo e o medo sufocados no mesmo impulso obsessivo e angustiado, sem controle nem “conscientização” possível.

Jennifer Jason Leight
Essa peste, claro, não foi a única culpada pela onda conservadora que já tinha se formado no horizonte e estava prestes a estourar. Mas foi um baque monstruoso, uma ferida até hoje aberta, onde várias culturas de vermes puderam se reproduzir e proliferar. Do slogan que serviu de ponto de partida para a revolução que tinha acontecido nas décadas anteriores – o famigerado “sexo, drogas e rock´n´roll” – apenas o sexo parecia algo difícil de controlar pelos guardiões da tradição, da família e da propriedade, apesar da crescente indústria da pornografia e dos consultórios médicos e psicológicos, nos quais especialistas em sexologia cagavam regras sobre como dar uma trepada saudável, limpa e “dentro dos conformes”. Isto porque o rock, coitado, há muito já tinha virado refém dos departamentos de marketing. E a idéia de que as drogas seriam capazes de algum tipo de “expansão de consciência” era uma coisa que, mais cedo ou mais tarde, se destruiria por si.

O resultado disso é que nos tornamos a geração que aperfeiçoou, desenvolveu e embalou, em belos papéis coloridos, a arte da fuga pela fuga como modo e filosofia de vida, a inveja que sempre me corroeu ao ler Henry Miller – as trepadas que ele dava em putas de rua na Paris dos anos 30, escondido em becos e vãos de escadas.


Certa vez, no vidro de um fusca, um adesivo facistóide resumia a herança que, pro mal dos nossos pecados, recebemos das gerações que nos precederam: “AIDS – Sarney: Que Saudades do Figueiredo e da Gonorréia...”

Nossa tara maldita, morta na casca.  Vendida no atacado e no varejo e impelida a dançar e  gemer nesse clima onipresente de felicidade obrigatória "como uma múmia,com todos os achaques das múmias”.

Um tesão, literalmente, desgraçado.

Habitante de Pompéia mumificado em lava no momento da morte

6 comentários:

Anônimo disse...

Acordado até as 3AM para 1min30s dos peitos da Matilde Mastrangi. De longe...

Co-autor da Mumia de Thara

Nilo Oliveira disse...

Os peitos da Matilde Mastrangi são os ÚNICOS que não estão aí. Mas eu entendo este tipo de delírio...

Diego Moraes disse...

Helena Ramos merece uma bronhosa. taqueopario, coisa linda do céu.

Nilo Oliveira disse...

Recordar é viver, Diego...

Anônimo disse...

Linkei teu brogui lá na página do facebook.
Tô acompanhando. Tá muito legal.
Abração,
MM

Nilo Oliveira disse...

Valeu, meu velho. Abraço.